27.11.12

Nunca soubeste lavar-me a alma das coisas más que o céu guarda nos corações. O meu estava sujo, sujo do que em tempos tu te esqueceste de lavar e mais uma vez, devia ter esperado uma água transparente, sem amor. Mas continuei a sonhar e a esperar uma fusão de flores e amor, uma fusão quente que me espantasse os males do peito. Fizeste com que o meu coração ficasse ainda mais pintado de ti, pelo amor que te esqueceste de mostrar e pelas palavras que guardaste debaixo da minha pele, que não proferiste mas que existiram, na minha imaginação, no mais inocente de mim. Por terem já existido te julgo culpado da cor má com que me banhaste o vermelho do sangue. Faltam-me abraços na vida, abraços por si só. Abraços tão verdes quanto os olhos que pintei em minha memória, julgando ser os teus, julgando um dia ouvir deles palavras que se ficaram pelo querer, que nunca saíram do teu vento. Esse vento que me atormenta os lençóis  á noite. Tão belo, esse teu vento que sempre insiste em voltar a mim. Fujo dele, não por medo mas por culpa. Como nunca tiveste o direito de me desenhar com linhas roxas, escuras, eu não tenho o direito de te trazer o vento comigo, para a eternidade, com vontade. Não me pertences mais, apesar de te ter misturado a cor com a minha numa mistura que provavelmente nunca me vai sair das unhas. Permanecerás na cor do meu coração mas não no cheirinho das minhas manhãs, permanecerás nas margens do nosso rio, mas sempre longe, a mais distante margem do conceito-amor. Mantém-te agora na areia que eu um dia irei pisar, só para tomares conta de mim e para não deixares que eu nade no mar sem ti. Mantém-te sempre diluído na minha cor pequenina mas nunca mais me faças grande, nunca mais me envies o cheiro dos tempos em que me destruías os sonhos, porque me faltam abraços e tu não me sabes abraçar toda, só consegues chegar ao limite de mim, não me agarres mais com vontade. Se um dia o fizeres, que seja perto do rio onde me lavava, ás escondidas, para nunca saberes que me lavavas mal. Que seja, então, perto, bem perto do rio para saberes o quanto sangue lá deixei, sem querer.

19.11.12

Senti-te o cheiro a chegar-me perto, desci e abri a porta da minha ruína, segui caminho rumo ao jardim onde me tornaste rainha. Acendi um cigarro e nem me lembro de tocar com os pés no chão, devo ter entrado numa espécie de trance qualquer devido ao teu perfume. Tornou-se nostálgico e enjoativo, de tão lembrado e relembrado cá dentro, no quentinho do meu peito. Cheguei e sorri, esperei um beijo, fiz figas para o tempo voltar atrás e ser coroada rainha outra vez, como da primeira, com um leque de corações enfeitados de flores oleosas e mastigadas pelos jardins, cenário de sonhos da minha alma. Esperava-me um escuro de olhos que quase me congelou de medo, tinhas em ti o negro de todas as cores. Não me lembro de voltar a sonhar. Já acabou, anjinho? Aperta-me como se morresse esta noite, por ti.. Beija-me o pulso e diz-me que te leve comigo, para a eternidade, a ti e a todas as palavras raras e bonitas que deixaste escapar. Diz-me para ser feliz, bem no fundo do infinito da minha morte. Diz nunca. Não deixes que vá sem coração, diz-me que adormeces comigo, pede ao teu coração para ser, uma vez, bonzinho e descolar do meu com calma. Lembra-te sempre do mar, testemunha de nós, tenro e suave. Se não te lembrares de mim, lembra-te do mar, ele levar-me-á de volta a ti. Mas lembra-te do mar, sempre.
''Esta noite morri muitas vezes, á espera
de um sonho que viesse de repente
e ás escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu, 
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projetou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última 
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue á procura do teu coração.''